A potencialidade ambiental da região amazônica tem colocado o Brasil no palco principal dos debates sobre mudanças climáticas a nível mundial. O local representa um terço das florestas tropicais do mundo, além de conter mais da metade da biodiversidade do planeta, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Do total da floresta, 60% está dentro do Brasil, enquanto os outros 40% se dividem entre Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
Com a maior parte da Amazônia em seu território, o Brasil tem atraído olhares do mundo inteiro na busca pela sustentabilidade e controle das mudanças climáticas. Isso porque a região é indispensável no processo de redução da emissão de gases de efeito estufa no mundo, visto que é capaz de absorver dióxido de carbono da atmosfera.
Porém, principalmente por conta do desmatamento e das queimadas, hoje a Amazônia emite mais carbono do que consegue absorver, segundo estudo liderado por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Investigação Espacial (Inpe), de 2021. O Ipam aponta que o desmatamento na região representa hoje a liberação de 200 milhões de toneladas de carbono por ano (2,2% do fluxo total global).
A primeira Conferência Internacional sobre Soberania e Clima, realizada nos dias 28 e 29 deste mês, em Brasília, com cobertura do Grupo Liberal, tratou sobre essas temáticas. Especialista em políticas públicas e doutora em ciência política, Suely Araújo, do Observatório do Clima, ressalta que a crise climática não está mais no futuro, está no presente, e os efeitos dela são “completamente visíveis” para todo cidadão.
“Os cientistas têm nos trazido isso de forma bem clara, e os dados mostram o quanto a emergência climática é uma realidade hoje. Chegamos no estágio em que, se nós não incorporarmos a questão climática de forma transversal, o mundo caminhará para uma realidade muito dura de falta de condições de nós mantermos nossos padrões de vida”, alerta a estudiosa.
Se o mundo quer a adaptação para uma economia mais sustentável e justa, reduzindo o carbono emitido, portanto, a Amazônia se torna necessária, por causa do potencial das florestas nesse processo. Na economia, com as árvores em pé, diversos setores são impactados: infraestrutura, energia e agronegócio, por exemplo.
Para a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, os temas “mudanças climáticas” e “Amazônia” estão absolutamente conectados. “A Amazônia coloca o Brasil no mundo e tira o Brasil do mundo, dependendo de como está indo a Amazônia. É o nosso poder como nação na geopolítica internacional”, ressalta.
Dimensão
Combater as mudanças do clima é de interesse brasileiro, segundo a representante da Pasta encabeçada por Marina Silva. Afinal, são os recursos naturais e a biodiversidade existentes na Amazônia do Brasil alguns dos responsáveis por estender a vida humana no planeta.
Por exemplo, Toni cita a importância dos rios da Amazônia e da floresta em pé para garantir a segurança hídrica e alimentar, visto que são necessários para se ter mais chuvas em outras regiões do país e manter o agronegócio funcionando. A segurança energética, de acordo com a secretária, também é um desafio que passa pela região – com menos chuvas, as hidrelétricas têm cada vez menos reservatórios.
“Outro ponto de adaptação é a saúde. A população está mais velha e o aumento de temperatura tem afetado os idosos de maneira desproporcional, além de aumentar os vetores de transmissão de malária, por exemplo. Na infraestrutura, tem os portos. O Brasil tem 36, e a gente já está medindo o que está acontecendo com o aumento do nível do mar. Há mudanças estruturais dos portos, as ressacas muito mais fortes e temos que começar a mexer agora porque, daqui a pouco, com maiores consequências, isso vai afetar as importações e exportações, além de provocar inundações, enxurradas, alagamentos e desastres, principalmente para as populações mais vulneráveis”, pontua.
São todos esses fatores que colocam o Brasil como destaque frente ao resto do mundo, no que diz respeito às discussões climáticas. Na opinião do ministro da Defesa, José Múcio, o Brasil ocupa uma posição de liderança regional.
“Ao considerarmos o potencial de crescimento dos países, devemos analisar três importantes fatores: a área, a população e a economia. Sobre esse foco, constatamos que somente três países no mundo possuem uma superfície superior a cinco milhões de quilômetros quadrados, população acima de 150 milhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB) superior a um trilhão de dólares. São eles os Estados Unidos, a China e o Brasil. Claramente, verificamos o potencial do Brasil para ser uma nação de relevância e importância no mundo”, avalia.
Interesse mundial
Embora 60% da Amazônia fique no Brasil, não é somente ao país que interessa manter a floresta viva. A região é vista por outros líderes como a “solução de sustentabilidade” que o mundo precisa, por isso muitos representantes de fora têm pressionado pela transição para uma matriz mais sustentável da economia. O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, ressalta que, “sem sombra de dúvida, a Amazônia produz serviços ambientais para o planeta inteiro e, obviamente, interessa a todo planeta e a todo debate internacional. Todo mundo reconhece a soberania do Brasil”, destaca.
Mas, mesmo que os países mais ricos possam ajudar o povo brasileiro no controle das mudanças climáticas, a tarefa maior é interna, segundo Agostinho e Suely. O primeiro ponto para que a situação climática melhore, para a pesquisadora, é reduzir o desmatamento no país, que é a fonte que mais gera a emissão de gases de efeito estufa, seguida pela agropecuária, que deve ser de baixo carbono. O presidente do Ibama ressalta que, com as mudanças do clima, o Brasil corre o risco de perder os 33% do seu PIB que dependem da agricultura, por exemplo.
Ele lembra ainda que não há, hoje, necessidade de continuar desmatando para continuar produzindo. “Nós temos 70 milhões de hectares de áreas não utilizadas, como pastos abandonados e estoques de terra. Nenhum país do mundo tem tanta terra para tirar carbono da atmosfera, nenhum país tem um potencial tão grande de floresta para estocar carbono, além de uma série de outros atributos”, menciona. Outras fontes que contribuem, de acordo com Suely, são o setor de energia, a parte industrial e de resíduos.
Participação social
Na opinião da pesquisadora, o Brasil precisa assumir a questão da emergência climática em um novo modelo de país e em uma decisão ampla que envolva as três esferas da Federação – União, Estados e municípios – e outros setores da sociedade. E, para que haja essa adaptação, a especialista em políticas públicas diz que é preciso trabalhar com governo, atores econômicos e sociedade como um todo, mitigando emissões.
Um dos maiores problemas das mudanças climáticas, segundo a representante do Observatório do Clima, é a injustiça social que resulta delas, afinal, são as populações mais pobres e excluídas as mais afetadas. Daí a importância de garantir a participação social durante todo o debate, afinal, “o enfrentamento da crise climática é um esforço coletivo”, diz.
O que a sociedade civil pode fazer é justamente monitorar o que o setor público tem feito, além de cobrar e fazer propostas concretas para frear as mudanças climáticas, produzindo dados técnicos e pesquisas sobre o tema. “Eu tenho bastante preocupação de tudo isso ser feito com a participação da sociedade civil, de representantes das comunidades mais afetadas, dos grupos mais excluídos, para que não seja mais um papel e um documento para ficar guardado na gaveta. Isso tem que ser política pública efetiva”, enfatiza.
Presidente do Ibama, Agostinho concorda. Ele diz que o direito ambiental, desde 1992, deixou claro que não existe outro caminho a seguir na área ambiental se não por meio da participação social, já que a própria definição do meio ambiente inclui a sociedade. Não faz sentido, segundo Rodrigo, construir uma política pública “de cima para baixo”, sem consultar a sociedade.
“A própria sociedade deve ser um ator do processo, não é só fazer parte, é realmente se sentir parte, eu acho que esse é um desafio enorme pela frente. Historicamente, no Brasil, as políticas públicas são construídas muito de cima para baixo, o Estado tem um problema de planejar mal e ouvir mal, e não dá para a gente construir as coisas sem participação, e a gente precisa aprender com a sociedade antes de ter os projetos prontos e acabados, no desenho das políticas públicas, na elaboração das estratégias de financiamento e dos projetos legislativos. A gente precisa criar estratégias boas de participação, de comunicação, de acesso à informação de qualidade”.
CEO do grupo Rede Amazônica, Phelippe Daou Júnior menciona que, principalmente nos últimos anos, tem havido uma busca por parte da sociedade civil por um caminho para a região, mas, na prática, as entidades e a população não são unidas. “As soluções para os nossos problemas são dadas por pessoas e entidades que não são da Amazônia e que conhecem muito pouco ou nada da nossa região. Todos os dias alguém diz o que temos que fazer. O que a gente necessita para que essas contribuições sejam efetivas é, primeiro, que se agregue. A gente tem uma série de entidades falando a mesma coisa, mas pouco alinhadas. Outra coisa é, quando se falar de Amazônia, colocar o amazônida no centro de debate”, comenta.
Daou acredita ser importante reconhecer o papel da região amazônica para assegurar a soberania do país, mas, para isso, é necessário o controle do desmatamento, uma real expectativa econômica e aumentar a presença local na mídia, possibilitando o acesso à informação. Somente assim, segundo ele, o povo que vive na região terá desenvolvimento sustentável e segurança.